terça-feira, 26 de abril de 2011

Namora uma rapariga que lê

"Namora uma rapariga que lê. Namora uma rapariga que gaste o dinheiro dela em livros, em vez de roupas. Ela tem problemas de arrumação porque tem demasiados livros. Namora uma rapariga que tenha uma lista de livros que quer ler, que tenha um cartão da biblioteca desde os doze anos.

Encontra uma rapariga que lê. Vais saber que é ela, porque anda sempre com um livro por ler dentro da mala. É aquela que percorre amorosamente as estantes da livraria, aquela que dá um grito imperceptível ao encontrar o livro que queria. Vês aquela miúda com ar estranho, cheirando as páginas de um livro velho, numa loja de livros em segunda mão? É a leitora. Nunca resistem a cheirar as páginas, especialmente quando ficam amarelas.

Ela é a rapariga que lê enquanto espera no café ao fundo da rua. Se espreitares a chávena, vês que a espuma do leite ainda paira por cima, porque ela já está absorta. Perdida num mundo feito pelo autor. Senta-te. Ela pode ver-te de relance, porque a maior parte das raparigas que lêem não gostam de ser interrompidas. Pergunta-lhe se está a gostar do livro.

Oferece-lhe outra chávena de café com leite.

Diz-lhe o que realmente pensas do Murakami. Descobre se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entende que, se ela disser ter percebido oUlisses de James Joyce, é só para soar inteligente. Pergunta-lhe se gosta da Alice ou se gostaria de ser a Alice.

É fácil namorar com uma rapariga que lê. Oferece-lhe livros no dia de anos, no Natal e em datas de aniversários. Oferece-lhe palavras como presente, em poemas, em canções. Oferece-lhe Neruda, Pound, Sexton, cummings. Deixa-a saber que tu percebes que as palavras são amor. Percebe que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade – mas, caramba, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco com o seu livro favorito. Se ela conseguir, a culpa não será tua.

Ela tem de arriscar, de alguma maneira.

Mente-lhe. Se ela compreender a sintaxe, vai perceber a tua necessidade de mentir. Atrás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. Nunca será o fim do mundo.

Desilude-a. Porque uma rapariga que lê compreende que falhar conduz sempre ao clímax. Porque essas raparigas sabem que todas as coisas chegam ao fim. Que podes sempre escrever uma sequela. Que podes começar outra vez e outra vez e continuar a ser o herói. Que na vida é suposto existir um vilão ou dois.

Porquê assustares-te com tudo o que não és? As raparigas que lêem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Excepto na saga Crepúsculo.

Se encontrares uma rapariga que leia, mantém-na perto de ti. Quando a vires acordada às duas da manhã, a chorar e a apertar um livro contra o peito, faz-lhe uma chávena de chá e abraça-a. Podes perdê-la por um par de horas, mas ela volta para ti. Falará como se as personagens do livro fossem reais, porque são mesmo, durante algum tempo.

Vais declarar-te num balão de ar quente. Ou durante um concerto de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Pelo Skype.

Vais sorrir tanto que te perguntarás por que é que o teu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Juntos, vão escrever a história das vossas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos ainda mais estranhos. Ela vai apresentar os vossos filhos ao Gato do Chapéu e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos da vossa velhice e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto tu sacodes a neve das tuas botas.

Namora uma rapariga que lê, porque tu mereces. Mereces uma rapariga que te pode dar a vida mais colorida que consegues imaginar. Se só lhe podes oferecer monotonia, horas requentadas e propostas mal cozinhadas, estás melhor sozinho. Mas se queres o mundo e os mundos que estão para além do mundo, então, namora uma rapariga que lê.

Ou, melhor ainda, namora uma rapariga que escreve."

«(Texto de Rosemary Urquico. Tradução “informal” de Carla Maia de Almeida para celebrar o Dia Mundial do Livro, 23 de Abril.)» 
Retirado daqui, sublinhados meus. 

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Abril


Nunca pensei viver para ver isto:
a liberdade – (e as promessas de liberdade)
restauradas. Não, na verdade, eu não pensava
- no negro desespero sem esperança viva -
que isto acontecesse realmente. Aconteceu.
E agora, meu general?
Tantos morreram de opressão ou de amargura,
tantos se exilaram ou foram exilados,
tantos viveram um dia-a-dia cínico e magoado,
tantos se calaram, tantos deixaram de escrever,
tantos desaprenderam que a liberdade existe-
E agora, povo português?
Essas promessas – há que fazer depressa
que o povo as entenda, creia mais em si mesmo
do que nelas, porque elas só nele se realizam
e por ele. Há que, por todos os meios,
abrir as portas e as janelas cerradas quase cinquenta anos -
E agora, meu general?
E tu povo, em nome de quem sempre se falou,
ouvir-se-á a tua voz firme por sobre os clamores
com que saúdas as promessas de liberdade ?
Tomarás nas tuas mãos, com serenidade e coragem,
aquilo que, numa hora única, te prometem ?
E agora, povo português?
- Jorge de Sena
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e um cravo para vós

sábado, 23 de abril de 2011

"estou a gostar imenso do filme garanto, apenas me entristece um bocadinho, não te inquietes que não me entristece muito, apenas me entristece um bocadinho sem importância, e não quero aborrecer-te com isto, um bocadinho sem importância, a sério, não tornar a ver-te."

- Sôbolos Rios Que Vão, António Lobo Antunes 
"e ainda cá estamos de facto mas porquê o roupão velho se te faço companhia, tu a hesitares com a prega na testa de quem luta com os restos da noite, os pés descalços comoviam-me, o dedo pequenino vermelho e os restantes brancos, um pedaço de rótulo preso ao calcanhar e não notavas o rótulo, a mão coçava a nuca de cotovelo erguido, lençóis na corda da marquise e um alguidar de plástico onde uma blusa de molho e sinto-me, sentia-me, digo sentia-me porque as fraldas do hospital sujas, hão-de puxar-me as pernas para cima, limpar-me e apesar disso tu comigo, nós no sofá depois do almoço, tu com duas almofadas derivado à hérnia e eu sem almofada alguma e talvez uma hérnia também ou seja uma espécie de moinha, gosto que chova na janela do hospital, gosto que chova na marquise enquanto nós de televisão ligada sem necessitarmos de palavras, a tua mão, em lugar da nuca, no meu joelho e que diferença entre a mão na nuca e a mão no joelho, a calça a tornar-se pele e é a minha pele, não o tecido, que afagas, de longe em longe a cabeça no meu ombro, mais de longe em longe um beijo, inclino a cabeça para um segundo beijo e a boca distante
- Estás a gostar do filme?
eu que não reparo no filme
- Imenso"
 - Sôbolos Rios Que Vão, António Lobo Antunes

terça-feira, 19 de abril de 2011

Ela precisa de quebrar o ciclo, a inevitabilidade do padrão. Ele ainda não percebeu o que fica depois do adeus, especialmente quando um adeus apressado. A dúvida. Ela só está à espera do nome dele a acender o telemóvel. Ele volta, invariavelmente, ele acaba por retornar a ela. Mas o entretanto angustia.
Não devia. O que sentia com ele num passado não é o mesmo que agora sente. Não é. O problema é saber que tudo isso pode voltar num ápice. Todas as razões continuam lá. E isso aterroriza-a.
Mas o medo paralisa, ela sabe-o. E isto de agora é bom, sabe bem, combinar cafés é coisa de adultos, combinar cafés e falar sobre a vida e todo o entretanto. As conversas terrivelmente profundas que conseguem ter, mesmo quando ela não sabe muito bem a banda-sonora da vida dele. Sabe que gosta daqueles prédios amarelos em Alcântara. É engraçado, ela também.
E por alguma razão bizarra a relevância que ele continua a assumir na sua vida  não lhe permite corta-lo assim dela. Talvez esteja em negação. Talvez nunca consiga dar o passo em frente até ao momento em que perceba que ele desta vez não volta e foi poisar noutro ninho. Talvez isto seja mesmo preciso.
Ela precisa de quebrar o ciclo, viciado desde o início. Quebrar o padrão. Dizer-lhe: não desapareças. Ou então: se te aprouver dizer adeus, di-lo, mas que seja irremediável.
Quebrar o ciclo. Qualquer coisa assim... 

domingo, 10 de abril de 2011

Eu também sei citar a Constituição, Senhor Presidente

Cavaco Silva tem um terrível problema: quando finalmente rompe o silêncio profundo a que gosta de se submeter 99% do tempo, mais valia estar calado. Assim, não ouvia palavras que em nada dignificam o seu cargo e a República Portuguesa como estas do Olli Rehn.
Cavaco Silva tem outro problema: é dotado de uma sensibilidade diplomática igual à de um elefante ou assim de um animal de grande porte, tipo hipopótamo. Senhor Presidente, uma coisa é fazer as suas brilhantes intervenções cá dentro, já estamos todos habituados e sabemos o que a casa gasta, outra coisa é dirigir-se à UE e pedir "imaginação" para o programa de ajuda. Imaginação... Imaginação? O que andou o senhor a fazer lá nas reuniões do Grupo de Arraiolos? O seu avião fez escala em Amesterdão?
As palavras e as atitudes públicas têm peso, senhor Presidente. Afinal de contas, o senhor representa a República e todos os portugueses: eu não quero que a Europa pense que o meu país é dirigido por imbecis, já basta pensarem que são irresponsáveis.
Outra coisa: eu não sei que edição da Constituição tem o senhor, mas na minha da Almedina, edição revista em 2009, a alínea e) do artigo 134º, a propósito da competência para prática de actos próprios do PR, reza assim: "Pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República". Vê? Eu também sei citar a Constituição. Ora, a entrada do FEEF/FMI parece-me, mas quem sou eu para debitar opiniões sobre finanças e economia e o estado a que chegamos, ser uma bocadinho emergência. Não sei, isto se calhar sou só eu. Ainda para mais tendo um governo demissionário com competências para a "prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos." (ponto 5, artigo 186º [vê? vê?]) evidentemente habilitado a negociar as condições e o programa de ajuda tendo agora por base, espante-se, o PEC IV. É evidente que a oposição não negoceia nada lá fora. Isso trata-se cá dentro. E é aqui que o senhor entra: como orgão mediador. Chamar os partidos à razão. E com um discurso firme e determinado chama-los às suas responsabilidades.
Vejo que descobriu agora o facebook. Isso é bom. Mas umas mensagens no mural não chegam, senhor presidente. É preciso senta-los à mesa e discutir o que se quer, o que se pode e o que se deve fazer. E por favor não se remeta a silêncios incómodos, mas quando quiser falar faço-o com bom senso e não numa atitude de superioridade moral que, da minha parte pelo menos, está a perder e não lhe fica nada bem.
A bem da saúde da República e dos cidadãos que o elegeram. 

Assim também eu quero ir passar um fim-de-semana a Matosinhos

Mas os congressistas socialistas andaram nos psicotrópicos? Foi assim uma trip colectiva no quarto de hotel do secretário-geral?
E realmente, tomara a muitos terem a clarividência do nosso primeiro-ministro. 


Mas ninguém avisou a Ana Gomes (o e-mail do Silva Pereira deve ter ido parar ao spam) qual o objectivo deste Congresso: a exaltação... perdão... unidade em torno do líder.

O Paulo Portas abriu a caixa de Pandora: agora todos eles se comovem e deixam transparecer uma lagrimita no canto do olho perante a demonstração de carinho e afecto dos seus camaradas. Mas é enternecedor ver Sócrates comovido. Também  assim quero ver o Louçã e o Passos perante as suas plateias. O Jerónimo não, esse é de outro tempo.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Diana Catarina está a sofrer de esquizofrenia eleitoral

Uma pessoa sabe que algo de muito errado se passa quando o Paulo Portas e o CDS parecem ser a voz da razão.
Vou só ali atirar-me da ponte ou atirar-me aos textos de APC: a perda pessoal e sofrimento são equivalentes. 

Constatação da Noite

Eu: acho que vou emigrar para a Irlanda.
Pessoa: mas também já lá está o FMI
Eu: pois, mas eles têm melhor cerveja.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Estás a ver tu e eu? É isto

Mas tu voltas, sempre.
"I step too close to your boundaries
You wanted nobody around to see
You feel vulnerable around me
Hey baby
What is love?
It was just a game
We both played and we can't get enough of"

sábado, 2 de abril de 2011

"E tivesse eu a eloquência nas palavras para dizer o quanto doi. Expressar em quatro ou cinco linhas o quão assustadora a perspectiva do futuro se assemelha ou em três ou quatro palavras o receio do que se adivinha. 
Falta o dom para as palavras, desenhar com o alfabeto o retrato do que agora sinto e fervilha por dentro. A partir do pulsar mecânico do coração alinhado com as sinapses e actividade química do cérebro, o rei sem trono deste reino que aprisiona a alma, a consciência do fim. Um lugar comum. 
A vida é um lugar comum. Nós é que gostamos de inventar, criar problemas e num pensamento paranóico e egoísta termos a certeza que somos diferentes, especiais, nada se compara aos nossos pequenos grandes problemas irreflectidamente hiperbolizados pela condição humana. Convencemos-nos que somos especiais, mas apenas fazemos parte de um lugar-comum em que vivemos aprisionados. 
Assim, a vida é mais fácil de aguentar, se pensarmos que de facto existe um sentido para isto tudo, um propósito quando não, na verdade não há um plano pré-definido e temos todos a mesma vida, vivemos todos neste rudeza de lugares comuns a que chamamos existência. 
Se fizesse sentido, o fim não era este. Se o universo fosse justo não estava à sua cabeceira neste quarto de hospital. 
A vida não passa de um lugar comum, que corre invariavelmente para o mesmo fim e aí descemos ao que realmente sempre fomos, descemos à elementar condição humana da qual teimosamente ansiamos escapar. No fim, é tudo o mesmo, voltamos à terra e elevamo-nos ao universo e regressamos ao cosmos, à ordem do alinhamento das estrelas. O pó.
Tomara eu ser dotada da eloquência necessária de dizer isto e fazer perceber o quanto doi. Mata. Destroi. Porque mesmo conscientes de que nada eterno, a iminência do fim continua a ser o abismo que nos olha persistente e desafia o passo em frente. E não há como voltar atrás. 
Não há nada de digno na morte, apenas coragem."
- 10 de Março, 2011
"ordena-se aos servidores de Cristo, sejam eles reis ou governantes, juízes ou militares, soldados das províncias, ricos ou pobres, livres ou servos de ambos os sexos, que tolerem o Estado se for necessário, mesmo sendo o pior e mais depravado e que adquiram para si, pelo preço de uma tolerância, uma morada esplendorosa na santíssima e augustíssima cúria dos anjos, na república celeste onde a vontade de Deus é a lei." 
- A Cidade de Deus, Livro II, Santo Agostinho