sábado, 23 de abril de 2011

"e ainda cá estamos de facto mas porquê o roupão velho se te faço companhia, tu a hesitares com a prega na testa de quem luta com os restos da noite, os pés descalços comoviam-me, o dedo pequenino vermelho e os restantes brancos, um pedaço de rótulo preso ao calcanhar e não notavas o rótulo, a mão coçava a nuca de cotovelo erguido, lençóis na corda da marquise e um alguidar de plástico onde uma blusa de molho e sinto-me, sentia-me, digo sentia-me porque as fraldas do hospital sujas, hão-de puxar-me as pernas para cima, limpar-me e apesar disso tu comigo, nós no sofá depois do almoço, tu com duas almofadas derivado à hérnia e eu sem almofada alguma e talvez uma hérnia também ou seja uma espécie de moinha, gosto que chova na janela do hospital, gosto que chova na marquise enquanto nós de televisão ligada sem necessitarmos de palavras, a tua mão, em lugar da nuca, no meu joelho e que diferença entre a mão na nuca e a mão no joelho, a calça a tornar-se pele e é a minha pele, não o tecido, que afagas, de longe em longe a cabeça no meu ombro, mais de longe em longe um beijo, inclino a cabeça para um segundo beijo e a boca distante
- Estás a gostar do filme?
eu que não reparo no filme
- Imenso"
 - Sôbolos Rios Que Vão, António Lobo Antunes

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